domingo, 28 de agosto de 2011

Um primeiro passo

Faz um tempo que tenho vontade de ter um espaço para escrever e publicar e postar e essas coisas todas, mas sei lá, é que no fundo tem sempre essa mistura de medo e preguiça que faz a gente não fazer o que quer...
Daí hoje por alguma conexão maluca do meu cérebro, enquanto eu lia, justamente, o blog de uma pessoa querida, me veio à mente aquele texto da Marina Colasanti que um dia um professor impactante leu ao começar a aula... Lembro bem ainda do tom de sua voz, da maneira dele de não dizer nada, simplesmente pegar o livro, olhar para aquela dezena de alunos dispersos e começar a ler em voz baixa, forçando-nos a acalmar-nos e começar a escutar. Lembro da intonação de cada palavra, como se aquele momento tivesse sido marcado à ferro em algum canto da minha memória, e lembro bem da sensação que tudo aquilo me provocou, como se o tempo tivesse se dilatado, e naqueles minutos que durou a leitura, fosse impossível não sentir-se vivo. Lembro do meu peito batendo mais rápido quando chegou o final do texto, lembro da agonia por anotar o nome da autora, do texto, alguma forma de eternizar aquela sensação...
Hoje depois de enviar o texto para àquele que com suas palavras me fez reviver, de alguma forma, aquela sensação, publiquei o mesmo no facebook, e alguns minutos depois tanta gente diferente "curtiu" e comentou, que não pude deixar de pensar que de alguma maneira todas aquelas pessoas estavam sentindo um pouco o que senti naquele instante da minha vida...
Como são as coisas hoje em dia, simultâneamente eu estava conversando com minha querida amiga Leticia, e comentei que tinha vontade de fazer um blog mas que essa preguiça-medo não me deixava agir, foi então que ela simplesmente me respondeu: faça, não se acostume! e Não teve jeito.... Aqui estou!

Primeiro passo é muita coisa, primeiro porque é um caminho sem volta, é desvendar os mistérios de um caminho desconhecido,, é algo que gosto, que me instiga, e faz um bem danado a decisão. Lembro também que Primeiro Passo era o nome da minha primeira escolinha, eu tinha acabado de fazer um ano e para poder estudar lá tinha que andar direitinho, pelo que minha mãe conta eu não andava muito bem e para a surpresa e alívio dela, no dia que ela me levou dei aqueles passos cambaleantes que hoje em dia são marca registrada do meu ser... Primeiro passo é isso, é um arriscar-se, é um "animarse" em espanhol, "oser" em francês...
Eu sinto que os meus primeiros passos são muitos, ainda bem! Talvez seja assim pra todo mundo, mas estou pensando que isso de sentir que você está dando um primeiro passo é revitalizador y aterrador. É um passo no vazio, um passo certeiro na escuridão, arriscar-se sem maneira de voltar atrás. É ir, confiar e arriscar e ponto. Depois a gente vê!
Estou portanto dando esse meu primeiro passo cambaleante de blogueira, será que vai dar certo? Será que vou escrever? Será que vão ler? Pára, respira, avança! O resto a gente pensa depois!

Caos de línguas.
Sei lá, o primeiro passo talvez seja justamente inventar um nome, que difícil! Mas não foi, foi algo espontâneo e pessoal, ainda falando com a Leticia disse que eu provavelmente iria escrever em todas as minhas línguas, e que seria um caos de línguas. E é isso. É um pouco isso que sou também, então mais vale aproveitar.
Aviso, que por essas linhas tudo vai se misturar, não tem jeito, se na minha cabeça existe toda essa confusão, é também isso que me faz ser eu, e eu não tenho escapatória, lost in translation, é uma sina, é minha sina.

Acho que por um primeiro passo já está de bom tamanho (se bem que eu já tô gostando da brincadeira e poderia continuar aqui horas à fio), deixo vocês agora com Eu sei, mas não devia, escrito por Marina Colasanti.

Beijos e até o próximo (primeiro) passo...





Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.



A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)

Marina Colasanti
 nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

O texto acima foi extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.

3 comentários:

  1. aaaaaai, vou adorar te acompanhar por aqui! só nos posts em francês que ficarei por fora hahaha
    venha com tudo no mundo do blog! :)

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  2. Rê! Esse texto é mesmo um empurrãozinho em alguns momentos da vida!
    Eu tô feliz de ter dado esse passo, faz tempo que quero escrever, e é muito mais prático pra manter a comunicação de longe!
    Obrigada meninas!
    Beijos

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